Borderline E Bipolar

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Para que admitamos o transtorno borderline como comorbidade no transtorno bipolar, devemos, antes de tudo, caracterizar o TAB como enfermidade.

 
Comecemos com um exemplo bem fácil de entender. Imaginemos um bipolar tipo I, clássico, que alterna fases depressivas com fases maníacas. Tenhamos em mente também os períodos de vida normal dele. Pronto! Temos aí três momentos para analisar. Comecemos pelos dois primeiros.


Se temos episódios depressivos e maníacos bem definidos, sem lugar a dúvidas de que são realmente depressão e mania, e se eles se alternam vez após vez, constituindo os famosos ciclos que caracterizam o transtorno bipolar, já é mais que suficiente para que falemos em TAB. O transtorno bipolar não vai se manisfestar mais claramente do que isso!
 
Agora, tenhamos em mente os momentos de vida normal do nosso bipolar tipo I. Com momentos de vida normal, queremos dizer aqueles em que não se manifestam nem depressão nem mania. Agora o bipolar não passa por crises ou espisódios, o humor não está nem deprimido nem elevado. Em poucas palavras, agora o TAB não se manifesta através de crises.
 
E é justamente durante esses momentos de vida normal que devemos procurar elementos que nos permitam caracterizar o transtorno borderline. Não haverá ocasião mais adequada. Durante as crises do transtorno bipolar, você não poderá reconhecer nada ou quase nada que diga respeito ao transtorno borderline, ainda que não seja impossível perceber alguma coisa. Mas, como tanto o diagnóstico de TAB como o de TPB são considerados difíceis, não é necessário que você torne as coisas ainda mais complicadas do que elas já são!
 
Desse modo, é durante os períodos de vida normal do bipolar que encontraremos aqueles sintomas que caracterizam o borderline, se realmente houver esta comorbidade.
 
Mas talvez agora você diga: OK, assim parece simples. Mas como não confundir os sintomas do transtorno borderline, durante esses períodos de vida normal do bipolar, com os sintomas do TAB propriamente dito?

Aí é que entra em campo uma postagem já antiga do Mastigando Estrelas, que está entre as mais acessadas de todos os tempos, Qual é a diferença entre bipolar e borderline?

Tanto o bipolar como o borderline têm variações de humor, mas elas se manifestam de maneiras diferentes. As variações de humor do borderline obedecem a ciclos mais curtos, geralmente durando alguns minutos, às vezes algumas horas. As do bipolar obedecem a ciclos mais longos, isto é, duram pelo menos uma semana ou meses se ainda estamos falando de um bipolar tipo I.
 
O humor do bipolar obedece a fatores internos, isto é, não importa o que aconteça no mundo à sua volta, seu humor permanecerá deprimido enquanto durar a depressão ou continuará elevado enquanto durar a fase de euforia. O humor do borderline obedece a fatores externos, isto é, ele já reage ao mundo exterior, mudando de humor segundos às circunstâncias, daí que é normal que o humor do borderline vá mudando ao longo do dia segundo as situações que ele experimenta.
 
Sob forte pressão ou diante de um conflito, o borderline escapa ou pode escapar à realidade. É como se ele simplesmente ignorasse a questão ou não a tivesse ouvido, mudando de assunto ou dizendo algo desconexo, se participa de uma conversa, por exemplo.
 
Imagine que o borderline não queira viajar de férias para a casa de parentes e que a ideia da viagem o aflija ou o pertube sobremaneira. Talvez tenhamos este diálogo: Vamos viajar, estamos fechando a casa, você vai ficar aí? pergunta a mãe de uma borderline. Tenho tanta vontade de dançar! diz a borderline, liga o rádio e começa a dançar... Ela ouviu que estão fechando a casa porque a família vai viajar de férias? 
 
Um bipolar, numa fase de mania, não querendo viajar, talvez ficasse irritado porque foi contrariado, dizendo mil coisas contra a viagem. Um bipolar, numa fase de depressão, talvez ficasse parado, meio "perdido", ou fosse facilmente convencido a ir, sem mostrar grande oposição à viagem.
 
Outra boa diferença é a visão que cada um deles tem sobre as pessoas.
 
O borderline divide as pessoas em dois grupos bem distintos, ou elas são boas ou elas são más, ou elas são honestas ou elas são desonestas, ou elas só mentem ou elas só dizem a verdade, etc. Não há um bom meio-termo. É algo que nos lembra os personagens lineares dos romances antigos.
 
Há outras diferenças, certamente, mas fiquemos com essas. Já é o bastante para termos uma ideia. Note, entretanto, que o humor instável do borderline fica longe de constituir aqueles ciclos mais longos, de depressão e mania, como no caso de um bipolar tipo I.
 
Mesmo um bipolar tipo misto (o bipolar tipo misto também é tipo I, lembremos), mesmo um bipolar tipo misto não deve ser confundido com um borderline. O bipolar misto, mesmo aquele que alterna sintomas de depressão e euforia num só dia, terá episódios que duram pelo menos 7 dias e períodos de vida normal, isto é, ainda neste último caso teremos aqueles ciclos mais longos que caracterizam o TAB. Esses ciclos mais longos, como eu disse, não existem no TPB, ainda que o borderline também possa sofrer de uma depressão que já não é exatamente aquela que vemos no TAB. 
 
O que acontece é que um bipolar misto pode ser confundido ainda mais facilmente com um borderline, porque os sintomas de depressão e euforia, se eles se alternam rapidamente, podem lembrar aquelas variações de humor mais curtas do boderline. Ainda assim, queria notar que esses sintomas de depressão e de euforia do bipolar misto constituem o humor misto, isto é, constituem um só estado de humor e, não, vários estados de humor.
 
Na cilcagem ultradiana, sim, temos vários episódios (e não um só) acontecendo num só dia ou ao longo de um período de horas.
 
Detalhe. Outra maneira de o episódio misto se manifestar é aquela em que os sintomas de depressão e euforia coincidem. Também há o episódio misto inespecificado, que pode não durar 7 dias.
 
Além do mais, tenhamos em mente que o TPB não é a única comorbidade possível no TAB. Há inúmeras outras. TDAH e TEPT, por exemplo, também podem fazer uma confusão dos diabos quando se busca o diagnóstico correto de TAB. Daí que o diagnóstico correto nem sempre está correto...
 
Mas, para não irmos além do que o título da postagem prometia, daqui por diante tenhamos em mente apenas os transtornos boderline e bipolar.
 
Embora TAB e TPB possam ser confundidos facilmente um com o outro num primeiro momento ou durante muitos anos, há diferenças entre eles. Você pode ser borderline, você pode ser bipolar ou você pode ser tudo junto e misturado. Em linguagem mais correta, você pode ser bipolar, boderline ou bipolar tendo como comorbidade o transtorno borderline.
 
Ainda sobre o TPB como comorbidade no TAB, não sei se todos os médicos veem o transtorno borderline como possibilidade de comorbidade, mas creio que ao menos a maioria esteja a par da questão.

Internação Psiquiátrica Involuntária

segunda-feira, 16 de julho de 2012

O devido processo legal de internação psiquiátrica involuntária na ordem jurídica constitucional brasileira.


Por: Gustavo Henrique de Aguiar Pinheiro 
Mestre em Direito Constitucional/UFC e Especialista em Saúde Mental/UECE.

É evidente e perigosa a falha da legislação brasileira ao permitir a internação psiquiátrica involuntária sem a autorização de um magistrado.
Sumário:1. Introdução. 2. O devido processo legal 3. A natureza e a constitucionalidade da internação psiquiátrica involuntária. 4. O devido processo legal de internação psiquiátrica involuntária no direito brasileiro. 5. O habeas corpus. 6. Considerações finais – referências bibliográficas.




1.INTRODUÇÃO


A Constituição Federal de 1988 é o maior depositório de possibilidades em saúde mental. Conquanto essa assertiva seja ainda ignorada pela maioria dos juristas e profissionais de saúde mental, na Carta Magna estão presentes as potencialidades dos direitos fundamentais da pessoa portadora de transtorno mental, suas garantias e valores, à espera de concretização, sobretudo judicial, uma vez que a dignidade da pessoa humana é um valor a ser aplicado cotidianamente.
Nesse contexto, um estudo sobre a natureza jurídica da internação psiquiátrica involuntária, como fenômeno jurídico, e não apenas médico, é uma necessidade que poderá orientar essa prática médica, aproximando-a e integrando-a às diretrizes constitucionais, únicas possíveis de realizar plenamente o Estado Democrático de Direito e a dignidade da pessoa portadora de transtorno mental.
A internação psiquiátrica involuntária continua sendo um dos temas mais polêmicos em saúde mental, pois, medida extrema, vai de encontro à autonomia do portador de transtorno mental, princípio bioético que sustenta a transformação daquele de objeto em sujeito, e se forja no ambiente superior das normas fundantes do novo modelo de assistência psiquiátrico brasileiro.
A condição de sujeito da pessoa portadora de transtorno mental implica direitos e garantias fundamentais na ordem jurídica constitucional.
Loucura, na contemporaneidade constitucional, é somente o não direito. A experiência do sofrimento psíquico, algo eminentemente humano, não atinge os direitos fundamentais daqueles que a vivenciam, sendo política e juridicamente inaceitável qualquer idéia que insista na mutilação das capacidades constitucionais (e não somente civis) desses indivíduos.

O devido processo legal é evolução histórica da sabedoria e do sofrimento da humanidade, que a linguagem jurídica expressa e toda a população precisa conhecer.
Evolução da evolução, corolário lógico das conquistas da dignidade humana, o devido processo legal de internação psiquiátrica é garantia inalienável de toda a pessoa que vivencia o sofrimento mental e, eventualmente, necessita de sofrer também limitação em seu direito fundamental à liberdade.


2. O DEVIDO PROCESSO LEGAL

A expressão "devido processo legal" deriva do direito inglês due process of law e quer indicar a existência de um procedimento legalmente previsto para garantir direitos fundamentais dos cidadãos. Essa cláusula constitucional processual garante aos litigantes um processo justo, ou no caso em exame, uma internação psiquiátrica involuntária "justa".
A Constituição Federal determina expressamente que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" (art. 5º, LIV).
Rui Portanova afirma que:
o devido processo legal é uma garantia do cidadão. Garantia constitucionalmente prevista que assegura tanto o exercício do direito de acesso ao Poder Judiciário como o desenvolvimento processual de acordo com normas previamente estabelecidas. Assim, pelo princípio do devido processo legal, a Constituição garante a todos os cidadãos que a solução de seus conflitos obedecerá aos mecanismos jurídicos de acesso e desenvolvimento do processo, conforme previamente estabelecido em leis [01] .
Temos, portanto, que o paciente psiquiátrico tem o direito constitucional de um devido processo legal de internação involuntária (sem o consentimento), ou compulsória (quando ordenado por juiz), que deverá obedecer a prévios patrões normativos, uma vez que se trata de evidente restrição ao direito fundamental à liberdade e não apenas de "ato médico".
Possuem os direitos fundamentais das pessoas portadoras de transtornos mentais eficácia imediata, vinculando inclusive os particulares, como médicos, clínicas e hospitais, que estão constitucionalmente obrigados a seguir o devido processo legal para internação involuntária, pois é certo que quando da referida restrição a direito fundamental, além da dimensão individual, está em questão a dimensão social da dignidade da pessoa humana [02].
O Supremo Tribunal Federal reconhece expressamente que as violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados [03].
Dessa forma, a cláusula constitucional do devido processo legal à internação psiquiátrica involuntária, ou compulsória, possui eficácia imediata contra o poder público e também em face dos particulares, que terão – ambos – de observar procedimento próprio para efetivar internações involuntárias e compulsórias, sob pena de tornar aludidos procedimentos inconstitucionais e flagrantemente nulos, a justificar as medidas materiais e processuais adequadas, tais como o habeas corpus.


3. A NATUREZA E A CONSTITUCIONALIDADE DA INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA INVOLUNTÁRIA

A natureza da internação psiquiátrica involuntária, embora não se possa cogitar de aspectos penais, é claramente de "restrição ao direito de liberdade", representando espécie de limitação civil ou administrativa a direito fundamental de defesa contra intervenção indevida do Estado (e/ou de particulares) e contra medidas legais restritivas dos direitos de liberdade.
Pondera o conceituado jurista português José Carlos Vieira de Andrade que, em se tratando de internação sem o consentimento do paciente, de facto, estamos perante uma situação de restrição de direitos fundamentais: não haverá dúvidas de que, por um lado, o internamento compulsivo constitui uma privação de liberdade contra a vontade do interessado, e de que, por outro lado, o indivíduo portador de anomalia psíquica é uma pessoa física, titular de direitos fundamentais [04]
Como esclarece Paulo Bonavides, os direitos da primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdade ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado [05].
A sempre admirável expressão Bonavideana, em registro acerca da obra de Carl Schmitt, faz consignar a opinião do jurista alemão, para quem os direitos de liberdade somente podem ser relativizados excepcionalmente, "segundo o critério da lei" ou "dentro dos limites legais" [06].
Gilmar Ferreira Mendes confirma que os direitos individuais enquanto direitos de hierarquia constitucional somente podem ser limitados por expressa disposição constitucional (restrição imediata) ou mediante lei ordinária promulgada com fundamento imediato na própria Constituição (restrição mediata) [07].
Assim, a limitação ao direito fundamental à liberdade de ir e vir imposta pela internação psiquiátrica involuntária, somente poderia encontrar respaldo Constitucional se fosse expressamente prevista no texto da Carta Magna ou se estivesse fundada em restrições legais, entendendo estas como aquelas limitações que o legislador impõe a determinados direitos individuais respaldado em expressa autorização constitucional.
Noticia José Carlos Vieira de Andrade [08] que a Constituição Portuguesa até o ano de 1997 – época da revisão constitucional – não previa expressamente a hipótese de internamento de portadores de anomalia psíquica no rol taxativo de casos autorizadores de privação da liberdade, o que certamente indica a atenção do legislador constituinte reformador português à tese de que tal espécie restritiva somente é admissível nos termos acima expostos.
Tanto é assim que o jurista luso entende constitucional o internamento compulsivo em seu país, uma vez agora excepcionado, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, como forma de restrição de liberdade prevista na própria Constituição (art. 273, "h"), desde que efetuado em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.
A esse ponto, convém examinar se a Constituição Federal Brasileira autorizou diretamente a privação de liberdade do portador de transtorno mental nos casos de internação psiquiátrica involuntária ou se remeteu à lei ordinária tal possibilidade, únicas hipóteses em que a referida modalidade de intervenção ao direito fundamental à liberdade seriam admissíveis.
Na verdade, a Constituição brasileira não tratou da limitação à liberdade produzida pelo internamento psiquiátrico involuntário.
Com efeito, a Carta Magna de 1988, que tem como regra geral o respeito ao direito à liberdade, define hipóteses excepcionais de privação de liberdade, abrangendo prisões penais, processuais, civis e disciplinares, sem, no entanto, fazer nenhuma referência à internação psiquiátrica involuntária, até mesmo porque esta modalidade de restrição da liberdade não se realiza por motivos penais ou processuais penais, inadimplemento de obrigação alimentar ou infidelidade depositária ou, muito menos, por razões administrativas ou disciplinares, não podendo ser tecnicamente enquadrada como modalidade de "prisão" [09].
Coube, em brevíssimas disposições, à Lei Federal nº 10.216 de 06 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, a instituição e a regulamentação da internação psiquiátrica involuntária.
Entretanto, por tudo o que se afirmou sobre possibilidades excepcionais de restrições a direitos fundamentais, fácil é observar que a restrição à liberdade autorizada pela Lei Federal nº 10.216 de 06 de abril de 2001 está em dissonância com os parâmetros constitucionais, pois, além de não existir autorização direta da Carta Magna para a mencionada limitação de direitos, a mencionada lei ordinária autoriza a imposição da restrição ao portador de transtorno mental sem que a Constituição lhe tenha dado autorização expressa.
Por tudo isso, existem indicações aparentes acerca da ausência de normas válidas no direito brasileiro que autorizem expressa e especificamente a espécie involuntária de internação psiquiátrica.
Perceba-se que não se está afirmando a inconstitucionalidade da modalidade interventiva, haja vista ser ela constitucionalmente admitida por outros fundamentos.
Com efeito, a doutrina do direito comparado parece unânime de que nem tudo o que se encontra protegido, em tese, pelo âmbito de proteção dos direitos fundamentais sem reserva legal expressa (...) colhe efetiva proteção dos direitos fundamentais [10].
Gilmar Ferreira Mendes novamente esclarece:
A Corte Constitucional alemã, chamada a se pronunciar sobre o tema no caso relacionado com a recusa à prestação de serviço militar assim se manifestou:
‘Apenas a colisão entre direitos de terceiros e outros valores jurídicos com hierarquia constitucional podem excepcionalmente, em consideração à unidade da Constituição e à sua ordem de valores, legitimar o estabelecimento de restrições a direitos não submetidos a uma expressa reserva legal’.
A possibilidade de uma colisão legitimaria, assim, o estabelecimento de restrição a um direito não submetido a uma reserva legal expressa.
A propósito, anota Gavara de Cara que, nesses casos, o legislador pode justificar sua intervenção com fundamentos nos direitos de terceiros ou em outros princípios de hierarquia constitucional.
Entre nós, a atividade legislativa, nessas hipóteses, estaria facilitada pela cláusula de reserva legal subsidiária contida no art. 5º, II, da Constituição [11] .
Embora a Lei Federal nº 10.216/2001 não tenha autorização constitucional expressa para restringir o direito à liberdade dos pacientes psiquiátricos involuntários, é notório que a internação sem consentimento pode existir plenamente diante, dentre outros fatores posteriormente examinados, de possibilidade de danos para si ou para terceiros, ou seja, violação a direitos fundamentais próprios (tentativa de suicídio, por exemplo) ou de outrem (vida, integridade física, propriedade etc).
O jurista português Jorge Reis Novais menciona a doutrina do "direito dos outros" com aquela doutrina de limites imanentes mais divulgada e mais aceita como fonte de limitações ou restrições não expressamente autorizada aos direitos fundamentais.
Para o autor ela surge por força do reconhecimento imperativo de que, em Estado de Direito, o princípio da igual dignidade de todos impõe à liberdade de cada um as limitações decorrentes do reconhecimento recíproco da igual liberdade dos outros [12].
Resta evidente que a colisão dos referidos direitos fundamentais - em sentido estrito ou amplo – pode ser realizada com o sacrifício mínimo dos direitos contrapostos. Autorizado, pois, o legislador, em consideração à unidade da Constituição e à sua ordem de valores, a emitir regulação restritiva de um dos direitos envolvidos no conflito, que, contudo, jamais poderá se fazer de maneira absoluta.
Dessa forma, assentada a constitucionalidade em tese da internação psiquiátrica involuntária, cumpre anotar que tal modalidade de tratamento é forma de restrição do direito à liberdade e como tal deve ser cercada de cuidados para que sejam evitados excessos contra os pacientes.
A própria Lei 10.216/2001 (art. 4º) determina a aludida internação como modalidade extraordinária, somente admissível quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.


4. O DEVIDO PROCESSO LEGAL DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA INVOLUNTÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO

Infelizmente no Brasil, na inexistência de uma rede extra-hospitalar ampla e eficiente, o hospital psiquiátrico passa a ser a "porta de entrada" do sistema de saúde mental do país, e a internação um dos recursos preferencialmente utilizados.
Em verdade, a internação psiquiátrica somente deveria acontecer em hospitais gerais, que possuem vocação assistencial, e não do tipo prisional ou asilar. A boa experiência da internação psiquiátrica nos ambientes aludidos é muito antiga (1902, no Albany Medcial Center, em Nova Yorque) e calha perfeitamente com o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88), matriz genética de todos os direitos fundamentais, pois mostrou concretamente a médicos, pessoal técnico e administrativo a possibilidade de se tratarem eficazmente doentes mentais em hospitais gerais [13].
Como demonstramos acima, resta evidente que a colisão de direitos fundamentais, que pode ser em sentido estrito ou amplo [14], com o sacrifício mínimo dos direitos contrapostos, autoriza o legislador a emitir regulação restritiva de um dos direitos envolvidos no conflito, que jamais se poderá dar de maneira absoluta.
A Constituição brasileira, ao contrário da Portuguesa, não prevê expressamente a possibilidade de restrição ao direito à liberdade por internação psiquiátrica, ficando para a Lei 10.216/2001 (art. 6º, parágrafo único, I, II e III) a tarefa de prever e classificar a internação em: 1) voluntária, aquela que se dá com o consentimento do usuário; 2) internação involuntária, aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e 3) internação compulsória, aquela determinada pela justiça.
Os maiores problemas e excessos encontrados são com a internação involuntária, que se dá sem o consentimento do paciente, seja porque ele é contra a medida ou porque está impossibilitado de decidir sobre ela. Note-se que a referida lei sequer tomou o cuidado de definir quem seriam esses "terceiros", que evidentemente, não podem ser todos e quaisquer "terceiros", somente os legitimados para a interdição (art. 1.177 do CPC), o representante legal e autoridades de saúde pública.
Essa modalidade excepcional de tratamento só deve ser admitida quando for a única forma de garantir a submissão ao tratamento do internado, e finda logo cessem os fundamentos que lhe derem causa.
A jurisprudência americana há muito definiu que a internação somente pode existir se tiver como fundamento um tratamento de saúde, jamais deve ser medida de simples restrição de liberdade.
Alfredo Jorge Kraut [15] elenca princípios reitores e garantias na internação involuntária:

1) Deve existir uma enfermidade mental verificada como possível de internação;

2) Deve existir possibilidade de danos para si ou para terceiros;

3) O tratamento psiquiátrico prescrito deve considerar imprescindível a internação, por não existir alternativas terapêuticas mais eficazes e menos restritivas do direito de liberdade;

4) Existência de um decreto judicial de internação, devidamente fundamentado, emitido com todas as garantias substanciais e procedimentais;

5) o término da internação não implica o fim do tratamento, que pode continuar na condição de voluntário;

6) direito a habeas corpus, de modo que o internado pode recorrer ao órgão judicial para que num prazo breve se pronuncie pela legalidade de sua privação de liberdade;

7) direito a reparação dos danos sofridos e

8) a reclusão involuntária não deve se constituir, per se, um motivo suficiente para restringir a capacidade legal.

No Brasil, sob o regime da Lei nº 10.216/2001, não há previsão de um procedimento de internação psiquiátrica que passe regularmente sob os auspícios do Poder Judiciário, sendo certo, entretanto, que o princípio constitucional do amplo acesso à jurisdição [16] assegura a qualquer pessoa a possibilidade de, a todo o momento, questionar judicialmente a referida internação.
É evidente e perigosa a falha da legislação brasileira nesse ponto, ao permitir a internação psiquiátrica involuntária sem a autorização (anterior ou posterior – convalidação do internamento de urgência) de um magistrado. Esse risco, o sistema constitucional de proteção à pessoa portadora de transtorno mental de Estados Unidos, Argentina, África do Sul, Portugal, Espanha, entre outros países, expressamente eliminou, não por mera desconfiança na comunidade técnica, ou evidente esgotamento do modelo hospitalocêntrico, mas, sobretudo, para dar eficácia urgente ao entendimento sólido e sedimentado na contemporânea teoria dos direitos fundamentais: o portador de transtorno mental possui exatamente a mesma dignidade que qualquer outro ser humano física e mentalmente capaz [17]
Lembre-se que a internação compulsória é aquela determinada pelo juiz competente (art. 9º da Lei nº 10.216/2001), não se confundindo com a internação involuntária, que é a aquela que se dá sem consentimento do paciente, embora que seja certo não fazerem sentido internações compulsórias com consentimento.
A internação psiquiátrica involuntária (ou mesmo a compulsória) exige o chamado "devido processo legal de internação", que deverá ser obedecido como forma de garantia ao direito de liberdade da pessoa portadora de transtorno mental.
Como no Brasil não há previsão legal estipulando que toda internação passe regularmente pelo judiciário, espera-se que seja instituído, pelo menos, um corpo de revisão, encarregado de periodicamente rever todas as internações involuntárias.
O devido processo legal de internação brasileiro, segundo a Lei 10.216/2001, exige que o procedimento se realize a) mediante laudo médico circunstanciado (art. 6º); b) mediante consentimento informado – do paciente ou de seu representante legal - escrito; c) autorização de médico devidamente cadastrado no Conselho Regional de Medicina do Estado onde se localize o estabelecimento e d) comunicação, pelo responsável técnico do estabelecimento, no prazo de 72 horas, ao Ministério Público tanto da internação quanto da alta do paciente.
É claro que essa comunicação compulsória ao Ministério Público em casos de internação involuntária, e na respectiva alta, se faz para que possa o MP fiscalizar os estabelecimentos psiquiátricos, a fim de impedir excessos violadores dos direitos fundamentais dos pacientes.
Sobre a atuação do Ministério Público no âmbito da saúde, registram Maria Célia Delduque e Mariana Siqueira de Carvalho Oliveira:
no âmbito da saúde, um notável movimento vem se afigurando, tendo o Ministério Público como seu principal protagonista. Corajosos membros do MP, comprometidos com a saúde, começam a romper com alguns paradigmas existentes na instituição e criam agentes de contatos rotineiros com os atores e usuários do Sistema Único de Saúde. Descerram as portas da promotoria e se estabelecessem como verdadeiros articuladores políticos, promovendo uma real participação da sociedade na busca de alternativas de atenção à saúde, identificam demandas, acompanham e controlam o uso de recursos públicos e responsabilizam o estado por sua má atuação ou inação em relação à saúde [18].

A não observância desse devido processo legal enseja a impetração de habeas corpus, garantia constitucional do direito à liberdade. Essa garantia não implica necessariamente no envio do paciente às ruas, pois se admite a impetração da referida ordem constitucional para recolocá-lo em ambiente verdadeiramente terapêutico, que respeite a sua dignidade e possa ministrá-lo tratamento adequado e eficaz.



5. O HABEAS CORPUS

O habeas corpus é uma ação constitucional voltada para a libertação do "paciente" (utiliza-se esse termo técnico mesmo fora de um contexto de saúde) que esteja sofrendo lesão ou ameaça ao seu direito fundamental à liberdade de ir e vir.
Diz o art. 5º, LXVIII da Constituição Federal: "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".
Evidentemente que essa ação constitucional também pode ser ajuizada quando o estabelecimento hospitalar não assegurar os direitos da pessoa portadora de transtorno mental, previstos na Constituição da República e no parágrafo único do art. 2º da Lei 10.216/2001.
Registre-se que o paciente mantém, mesmo internado involuntariamente, o seu direito à liberdade de religião e consciência, possuindo direito à comunicação, à proteção de seu patrimônio, à livre expressão e ao direito de ação, inclusive direito a voto, não estando interditado (art. 15, II da CF/88), nos termos da facultatividade instituída pela Resolução nº 21.920 do Tribunal Superior Eleitoral – TSE.
Esclarece Luís Roberto Barroso que: o habeas corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa física ou jurídica, e também pelo Ministério Público (...), em favor logicamente de pessoa física, única capaz de ver tolhida sua liberdade de locomoção. Sequer é exigida capacidade postulatória do impetrante. E, mesmo que ninguém o impetre, poderão os juízes e tribunais competentes expedir, de ofício, ordem de habeas corpus [19].
Embora tenha existido alguma controvérsia sobre o assunto, atualmente doutrina e jurisprudência admitem a utilização de habeas corpus contra atos de particular (diretores de clínicas ou hospitais psiquiátricos, por exemplo).
Como explica Heráclito Antônio Mossin o habeas corpus não se projeta exclusivamente no campo penal ou processual, porquanto é ele cabível também na área extra persecutio criminis, visando tutelar o direito de liberdade corpórea do indivíduo quando estiver sendo lesada ou ameaçada de sê-lo, abusivamente por qualquer pessoa, aqui se incluindo o particular [20].


No mesmo sentido, se pronuncia Fernando Capez, para quem prevalece o entendimento de que pode ser impetrado habeas corpus contra ato de particular, pois a Constituição fala não só em coação por abuso de poder, mas também por ilegalidade. ‘Por exemplo: filho que interna pais em clínicas psiquiátricas, para deles se ver livres’ [21].
O Superior Tribunal de Justiça também admite impetração de HC contra internação psiquiátrica involuntária irregular:
"Ementa
Habeas Corpus. Internação involuntária em clínica psiquiátrica. Ato de particular. Ausência de provas e/ ou indícios de perturbação mental. Constrangimento ilegal delineado. Binômio poder-dever familiar. Dever de cuidado e proteção. Limites. Extinção do poder familiar. Filha maior e civilmente capaz. Direitos de personalidade afetados.
- É incabível a internação forçada de pessoa maior e capaz sem que haja justificativa proporcional e razoável para a constrição da paciente.
- Ainda que se reconheça o legítimo dever de cuidado e proteção dos pais em relação aos filhos, a internação compulsória de filha maior e capaz, em clínica para tratamento psiquiátrico, sem que haja efetivamente diagnóstico nesse sentido, configura constrangimento ilegal.
Ordem concedida [22].
Assim, além das ações de indenização por danos morais e materiais causados pela internação psiquiátrica involuntária irregular, é possível o manejo de habeas corpus para assegurar o pleno exercício do direito fundamental de ir e vir da pessoa portadora de transtorno mental que tenha sido internada sem consentimento, em desconformidade como o devido processo legal acima delineado, ou que esteja sofrendo violação a seus direitos fundamentais constitucionalmente garantidos.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Talvez o maior erro político do movimento social em saúde mental, nele envolvidos os profissionais de saúde mental, organizações, os pacientes e familiares, tenha sido não conseguir enxergar na Constituição Federal de 1988 o marco jurídico potente e eficiente para a efetivação de todas as mudanças necessárias para o setor. É urgente uma "saúde mental constitucional", são cerca de 40 anos de atraso doutrinário e jurisprudencial com relação a inúmeros países.
A comunidade jurídica também tem participação nessa cegueira normativa, em que ainda hoje a saúde mental se mostra envolvida, pois todos, parece, até o momento, acreditam que a Lei Federal nº 10.216/2001 é o marco jurídico da saúde mental brasileira, ignorando a forma normativa da Constituição da República Federativa do Brasil, e a abertura principiológica que ela produz a cada novo dia, permitindo ao intérprete realizar como nunca a proteção e a realização dos direitos fundamentais das pessoas portadoras de transtornos mentais.
É, pois, da Constituição que deriva o devido processo legal de internação psiquiátrica involuntária e suas fundamentais conseqüências e garantias. Realidade constitucional fundante ainda ignorada pela magistratura, advocacia, Ministério Público, profissionais da área e pelo movimento social em saúde mental.
Mesmo ainda em potência, viva a Constituição! O tempo da saúde mental ainda está por vir. O tempo da saúde mental constitucional.

Referência: http://jus.com.br/revista/texto/20292/o-devido-processo-legal-de-internacao-psiquiatrica-involuntaria-na-ordem-juridica-constitucional-brasileira/2


O Lado B De Amy Winehouse

quinta-feira, 12 de julho de 2012


Drogas, agressão à pele em forma de enfeite, perda da autoimagem. Os fãs se identificavam com seu comportamento, mas não notaram a gravidade de sua doença psiquiátrica.

Por Antonio Carlos Prado

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Não houve glamour na vida e muito menos na morte de Amy Wine­house. Houve doença, uma intrincada enfermidade psiquiátrica denominada Transtorno da Personalidade Borderline – suas portadoras (predomina em mulheres na proporção de gênero de três para um entre a população mundial adulta) são invadidas constantemente por avassaladores sentimentos imaginários de abandono e sofrem terrível desmoronamento do ego, desintegração da identidade e da autoimagem.


São impulsivas, mantêm suas relações interpessoais como um elástico que se tensiona ao máximo, as suas emoções e humor são fios desencapados em curto-circuito. Sentem-se esburacadas e autolesionam a pele para aplacar a dor da alma, sempre encharcada pela sensação, quase nunca real, de perda de pessoas que lhes são queridas. Assim, nesse inferno psíquico, viveu Amy Winehouse, falecida em Londres no sábado 23 de Julho de 2.011 e cremada na terça-feira segundo os preceitos religiosos judaicos. O funeral ocorreu sem que se soubesse com precisão a causa da morte, e isso só virá a público em algumas semanas, assim que a médica legista Suzanne Greenaway concluir os exames toxicológicos das vísceras retiradas do cadáver da cantora. Seja qual for a causa, no entanto, um fato está dado: mais do que simplesmente morrer, Amy descansou um corpo maltratado, um cérebro embotado e um músculo cardíaco esmagado pelo uso ininterrupto, abusivo e nocivo de vodca e coquetéis de outras drogas que chegaram a cruzar cocaína, heroína, anfetaminas, ecstasy e até quetamina (anestésico de cavalo). Em outras palavras, ainda que a causa mortis não revele overdose, sua precoce partida aos 27 anos foi acelerada pelo Transtorno de Abuso de Substâncias como um transatlântico que se dirige loucamente para espatifá-lo contra um iceberg.

O Transtorno de Abuso de Substâncias é, digamos assim, uma das franjas visíveis, concretas e palpáveis do Transtorno da Personalidade Borderline, e também uma de suas marcantes características. Essa expressão inglesa significa fronteira ou fronteiriço e foi utilizada pela primeira vez para determinar um tipo específico de distúrbio patológico da personalidade no final da década de 1960 pelo pesquisador Otto Kernberg – nos primórdios da psicanálise ela servia para designar a fronteira entre a neurose e a psicose, serventia essa totalmente desconsiderada pela psiquiatria moderna, que cravou um diagnóstico próprio da doença. A rigor, ser Amy Winehouse não é para a mulher que quer, é para a mulher que pode. Isso vale para sua fenomenal voz de branca a cantar como uma diva negra do soul, mas esqueçamos a voz e continuemos concentrados em seu comportamento. Ou seja, para ser a turbulenta Amy há de trazer consigo “pesadas ferramentas” biológicas, psicológicas e ambientais para desenvolver tal tipo de personalidade. É por isso que se diz, aqui, que não é para quem quer, mas, tristemente, para quem pode – e, creiam, a mulher que possui tais ferramentas agradeceria à ciência ou a Deus se com elas pudesse nunca ter entrado em contato, assim como Amy, aos berros e na impulsividade, ou aos prantos e na depressão, muitas vezes implorava querer “ser trocada por outra”.

No campo psicobiológico, aquilo que se chamou de “ferramenta” pode ser traduzido tecnicamente pelo funcionamento descompassado no cérebro do neurotransmissor serotonina. Tentativas recorrentes de suicídio são traços do transtorno e estudos recentes constataram concentrações mínimas do ácido 5-hidroxiindolacético (5-HIAA, metabólito da serotonina) em pessoas deprimidas que haviam tentado suicídio. No campo ambiental, pesa na infância a negligência ou a desatenção dos pais, abusos físicos, emocionais ou sexuais da criança. Pois bem, tentativas de suicídio – praticamente crônicas – não faltaram na vida da cantora ao utilizar drogas e cruzar vodca (sua dependência química prevalente) com medicamentos (cerca de 6% das borderlines que tentam suicídio conseguem consumá-lo, aproximadamente 60% de mulheres em ambientes institucionais psiquiátricos ou prisionais são borderlines). Quanto ao ambiente, sabe-se que seu pai, Mitch, disputava desde cedo com ela a atenção da mãe, Janis.
Na idade adulta, o que se viu foi novamente o pai taxista tentando pegar carona na fama da filha a ponto de lançar-se como cantor, atitude que arrastou Amy para uma profunda depressão – tal comportamento de Mitch voltou a ser criticado nos últimos dias pela imprensa inglesa e americana.


Transferência

Os fãs põem litros de vodca em frente à casa de Amy: identificação com seu alcoolismo.

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Falou-se antes da constante oscilação e perda da autoimagem e identidade como fortes componentes do Transtorno da Personalidade Borderline, e nesse buraco da identidade é que entram, por exemplo, a droga e o “lance da pele” (é como se faltasse uma pele protetora do ego), que vai da dermatotilexomania (provocar escoriações no próprio corpo) ao prazer ou autoagressão em se cobrir de tatuagens. Ao não ter fixada uma identidade em si nem um ego consistente, Amy, até por viver sobre palcos e sob refletores, fez da sua pseudoimagem de adicta a sua própria identidade enquanto pessoa – ou, na inteligente e sensível expressão do professor de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo Ronaldo Laranjeira, para a cantora “a doença fazia parte de uma liberdade poética”. Os seus fãs incondicionais, o público em geral e a indústria da música, por sua vez, “compravam” e “vendiam” essa identidade, era cada vez mais essa a identidade que esperavam de Amy e, perversamente, de forma involuntária ou não, a reforçavam. Em meio a tudo isso e a todos, ela era idealizada e idolatrada quando parava em pé no palco, desvalorizada e ridicularizada quando se exibia cambaia, como aconteceu seu show na Sérvia. Incrível, poucos viram que ali não havia nada além de doença.

O público sempre é passional e volúvel. Quanto aos fãs, com certeza é com carinho e boa intenção, mas também com grande dose de ignorância sobre saúde mental, que levam garrafas de vodca ao santuário que se montou diante da casa da cantora no bairro boêmio londrino de Camden Town – se Amy só se identificava com a Amy alcoolista, os seus fãs, num processo quase psicoterapêutico de transferência, também se identificam com essa Amy. Para a indústria do som, cifras nos olhos, o que não é lucro não está no mundo, e já festeja que o álbum “Back to Black”, de 2006, saltou para o primeiro posto na lista de mais vendidos nos EUA assim que a morte da artista foi anunciada. 
Nos buracos do cenário borderline, cenário com simbólicos pregos emocionais por todos os cantos, a portadora do transtorno vai pondo tranqueira atrás de tranqueira na busca desesperada de preencher o seu vazio e aliviar o “torno psíquico” que não cessa de apertar. É comum encontrar-se mulheres presas que são borderlines e deveriam estar em tratamento e não encarceradas – acabam presidiárias porque, na ânsia de se “colarem” ao outro para ter uma identidade psíquica, muitas vezes se “colam” em tranqueiras traficantes. Elas anônimas, Amy Winehouse famosa, a história é a mesma. A cantora, no auge de uma de suas crises, casou-se em 2007 com o produtor e traficante (olha aí!) Blake Fielder-Civil. O relacionamento durou dois anos e a maior parte dele Blake passou na cadeia – e lá continua por roubo e posse de arma que não era verdadeira, era de brinquedo (ele não foi autorizado a sair da prisão para ir ao funeral). Agora, funeral feito, o que não faltam são vozes a dizer que Amy errou, não se tratou medicamente, não aproveitou as internações: “tentaram me mandar para reabilitação/eu disse não, não, não/ele tentou me mandar para reabilitação/mas eu não vou, vou, vou”, diz uma de suas famosas canções, chamada “Rehab”. Os que agora a criticam, e certamente entre eles há os que depositam garrafas de vodca diante de sua casa vazia, precisam saber que Amy era, em essência, enferma. Em “Beat The Point To Death”, ela cantou: “além disso estou doente/de ter de encontrar alguma paz”. Amy hoje tem paz, o “torno” borderline afrouxou-se, a montanha-russa borderline cessou de despencar, mas é a inútil paz dos mortos, não a fecunda paz dos vivos. De fato, não houve nenhum glamour em sua vida e muito menos em sua morte.

Referência: http://www.istoe.com.br/reportagens/149017_O+LADO+B+DE+AMY+WINEHOUSE

Dra. Maria Sílvia Lopes Figueiredo (CRM 56947) é graduada pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP. Ela é Mestre em Saúde Mental, pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, e Supervisora no Serviço Ambulatorial de Clinica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

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Vários pesquisadores se dedicam à procura das melhores abordagens terapêuticas e os resultados encontrados apresentam convergências e divergências. O transtorno de personalidade borderline é um quadro crônico, com acentuada morbidade e mortalidade, e a ausência de evidência de efeitos de um tratamento específico parece concordar com o próprio curso da desordem, sendo propostas várias opções sobre o manejo clínico. 
Várias delas concordam quanto à necessidade de avaliação contínua e intervenções ativas intermitentes (principalmente nos momentos de crise).
As hospitalizações podem ser necessárias nos momentos em que os pacientes se apresentem extremamente autodestrutivos, com dificuldade para controlar seus impulsos, organizar o pensamento, assumir o cuidado de si mesmo. Nesses casos, a enfermaria psiquiátrica se apresenta como ambiente protegido para acolhimento e apoio ao paciente para que recupere seu funcionamento mental mais equilibrado e consiga se conduzir. O risco é permitir que o paciente se torne dependente demais da equipe hospitalar, usando a internação como forma de não assumir as responsabilidades consigo mesmo. Passado o período de maior risco, a semi-internação se mostra uma opção interessante. Nos serviços de Hospital Dia, como o da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e os Centros de Apoio Psicossocial (CAPS), o paciente passa o dia no serviço e vai para casa à noite e nos finais de semana. Os familiares são chamados a participar ativamente do tratamento e também recebem o  apoio necessário, juntamente com a equipe composta por vários profissionais:psicólogo, psiquiatra, terapeuta ocupacional, assistente social, enfermeira e auxiliares de enfermagem, recreacionista, educador físico. Nesse ambiente também protegido, mas mais conectado com a “vida real” o paciente tem a oportunidade de rever sua maneira de se relacionar consigo e com as outras pessoas, sua maneira de lidar com a solidão (que esses pacientes vivem como se fosse um abandono insuportável e imperdoável) e as frustrações. Durante as internações (totais ou parciais) o paciente borderline repete com a equipe as mesmas dificuldades de relacionamento interpessoal que apresenta em sua vida. Seus comportamentos impulsivos e inadequados mobilizam os membros da equipe, que precisam trabalhar de maneira bem harmoniosa e integrada, para oferecer ao paciente respostas que o ajudem a perceber suas dificuldades e construir novas maneiras de se relacionar. Essas experiências podem ser compartilhadas com os familiares, cônjuges e amigos do paciente, que querem ajudá-lo mas muitas vezes não sabem como. Devido a sua instabilidade emocional e impulsividade, muitas vezes o paciente com transtorno borderline envolve seus parceiros em sua confusão, e acabam todos ansiosos, agindo de maneira desequilibrada, às vezes até agressiva. Cônjuges e familiares referem um misto de raiva e pena, às vezes pena e depois raiva mas, principalmente, impotência. Mesmo fora da situação de internação ou semi-internação, o trabalho com parceiros e familiares pode ser muito útil e gratificante.

Psicoterapias de diversas abordagens podem ser úteis, desde que terapeuta e paciente consigam estabelecer uma aliança terapêutica consistente (aliança entre aspectos saudáveis do terapeuta e do paciente). A psicoterapia de grupo apresenta a oportunidade de reconhecer suas próprias características no modo de agir dos outros pacientes, de dividir experiências muito próprias, difíceis de compartilhar com quem não as vive,  como os comportamentos de auto-mutilação, por exemplo. A maioria das pessoas interpreta os atos de se machucar do paciente borderline como forma de “chamar a atenção”, masmuitos pacientes os fazem escondido, sem ninguém ver. Em momentos de muita angústia -e pessoas com transtorno borderline sentem MUITA ANGÚSTIA- cortar a própria pele, sentir dor, ver o sangue sair, pode ser uma forma de se acalmar. Ou então comprar demais, transar demais, comer demais (vomitando demais ou não), beber demais, correr de carro demais,  enfim, qualquer coisa demais, e daí vem todas as encrencas, que deixam os familiares inconformados.Tentando fugir da angústia e do sentimento de vazio e solidão, acaba ficando mais sozinho ainda. Observando o que acontece com seus companheiros de grupo, o paciente tem a oportunidade de entender como cria suas próprias confusões. Juntos, os membros do grupo podem buscar novas alternativas.

Não há um consenso quanto ao uso de farmacoterapia nestes pacientes. Alguns autores consideram que, como o papel biológico no desenrolar do transtorno ainda não é bem definido, seria melhor não se usar psicofármacos. No entanto, a prática clínica demonstra que o uso de medicação pode ser bastante útil, dependendo do caso. O alívio de sintomas muito intensos (psicóticos, depressivos, dissociativos, ansiedade, ideação suicida) funciona como proteção e base para as demais formas de tratamento.

Tratando-se de transtorno crônico e complexo, o tratamento inclui várias modalidades de intervenções, que devem ocorrer de maneira integrada. É preciso alternar firmeza e flexibilidade, de acordo com a evolução de cada paciente. Profissionais, familiares e o próprio paciente devem estar preparados para progressos e retrocessos, momentos de harmonia e crescimento intercalados com graves crises inesperadas. A médio e longo prazo, o saldo é positivo e gratificante quando se mantem expectativas realísticas.


Referência: http://blogs.unimeds.com.br/mariasilvia/?p=98

Visões De Um Crime

segunda-feira, 2 de julho de 2012


Sinopse: A trama do filme se concentra numa mulher que vive com prosopagnosia, depois de sobreviver a um ataque de um serial killer. Nessa condição, ela não reconhece o rosto das pessoas e corre perigo quando se aproxima do assassino.


Idioma:Inglês(Legendado)
Ano Lançamento: 1999

Sinopse: Em 1967, após uma sessão com um psicanalista que nunca havia visto antes, Susanna Kaysen (Winona Ryder) foi diagnosticada como vítima de “Ordem Incerta de Personalidade” – uma aflição com sintomas tão ambíguos que qualquer garota adolescente pode ser enquadrada. Enviada para um hospital psiquiátrico, onde viveu nos 2 anos seguintes, ela conhece um novo mundo, de jovens garotas sedutoras e transtornadas. Entre elas está Lisa (Angelina Jolie), uma charmosa sociopata que organiza uma fuga com Susanna, Daisy e Polly, com o intuito de retomarem suas vidas.