Introdução


Os efeitos colaterais das drogas antiobsessivas são a principal razão da não adesão ao tratamento e de mudanças precipitadas de medicação.
Algumas medidas podem evitar tais incidentes: informar ao paciente sobre os efeitos mais freqüentes e sobre o fato de que eles podem diminuir ou desaparecer depois das primeiras semanas de uso; aumentar ou diminuir gradualmente as doses; tomar medicamentos que causam náuseas ou vômitos junto às refeições, pela manhã, os que causam insônia, e, à noite, os que provocam sonolência; dividir a dose diária em duas ou mais tomadas ou trocar de medicamento.


Deve-se sempre levar em conta ao prescrever: idade, sensibilidade individual, perfil de sintomas que o paciente apresenta (aumento de peso, insônia, ansiedade etc.), doenças físicas existentes, uso concomitante de outras drogas, especialmente as que alteram o metabolismo hepático, pois tais fatores influem na ocorrência de reações adversas. Serão apresentados os efeitos colaterais mais comuns das drogas antiobsessivas e sugeridas medidas para o seu manejo.

Efeitos cardiocirculatórios

Hipotensão postural

É comum com o uso da clomipramina e rara com os inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS): queda da pressão arterial por bloqueio a1-adrenérgico, provocada por mudança súbita de posição, acompanhada de tonturas. Ocorre mais em pacientes idosos ou debilitados, em dieta hipossódica, desidratados ou em restrição líquida, utilizando anti-hipertensivos ou diuréticos, com hipotiroidismo ou hipofunção adrenal. Tende a ser mais grave quando há insuficiência cardíaca, bloqueio de ramo ou arritmias. Medidas:

a) evitar levantar-se da cama, da cadeira ou abaixar-se bruscamente; 
b) evitar banhos quentes prolongados; 
c) evitar refeições pesadas e álcool; 
d) usar meias elásticas de pressão média; 
e) ingerir cloreto de sódio (3 g/dia a 4 g/dia) ou fluidrocortisona (0,1-0,5 mg uma a três vezes ao dia), monitorando a tensão arterial e o edema. 
f) substituir clomipramina por ISRS.

Alterações no ritmo cardíaco

A clomipramina pode provocar taquicardia e extra-sístoles em função de seus efeitos anticolinérgicos. Os ISRS, em princípio, não afetam a condução cardíaca, mesmo em pacientes com problemas cardíacos preexistentes.2 Recomenda-se:

a) evitar o uso de clomipramina em pacientes com problemas cardíacos, crianças e idosos; 
b) evitar a fluoxetina em pacientes com bloqueio de ramo ou doença coronariana que estejam tomando propranolol ou metoprolol: pode ocorrer bradicardia severa.3,4

Efeitos anticolinérgicos

Boca seca

Comum com a clomipramina pela redução da produção de saliva e rara com os ISRS (ocorrendo mais com a paroxetina). Medidas:

a) mascar chicletes ou chupar balas dietéticas; 
b) bochechos com pilocarpina a 1%, uma hora antes de palestras, aulas, conversação intensa etc.; 
c) 10 mg a 30 mg betanecol, três vezes ao dia; 
d) manter boa higiene bucal, visitas regulares ao dentista e evitar açúcar (cáries); 
e) trocar de medicamento.

Constipação intestinal

Muito comum com a clomipramina pelos seus efeitos anticolinérgicos e rara com os ISRS. Medidas:

a) dieta rica em fibras ou substâncias que retenham líquidos no intestino, como mucilóide de Psyllium, 1 a 2 envelopes/dia; 
b) aumentar a ingestão de líquidos; 
c) praticar exercícios físicos regularmente; 
d) caso essas medidas não sejam suficientes: laxativos de contato, como picossulfato de sódio, 8 gotas/dia a 15 gotas/dia, ou laxantes naturais não-irritantes do intestino;5 
e) substituir clomipramina por um ISRS.

Retenção urinária

Dificuldade de iniciar a micção como conseqüência de ações anticolinérgicas sobre o esfíncter vesical, podendo provocar retenção urinária, alargamento da bexiga e infecções. Medidas:

a) betanecol, 10 mg VO a 30 mg VO, três vezes ao dia; 
b) evitar o uso de clomipramina e paroxetina em pacientes com história de retenção urinária (p. ex.: hiperplasia prostática).

Visão borrada

Conseqüência da dificuldade de acomodação visual por efeito anticolinérgico. Comum com a clomipramina, rara com os ISRS. Pode-se:

a) reduzir a dose ou tentar outra droga que não produza esse efeito; 
b) aplicar colírio de pilocarpina a 1% – algumas gotas duas a três vezes ao dia; 
c) usar betanecol, 10 mg VO a 30 mg VO, três vezes/dia.

Disfunções sexuais

Diminuição da libido e da excitação, retardo na ejaculação ou anorgasmia ocorrem em 58% a 73% dos pacientes que utilizam drogas antiobsessivas. Dificilmente desaparecem espontaneamente, comprometendo a qualidade de vida e a adesão ao tratamento.6,7 Ocorrem provavelmente pelo bloqueio de receptores a-adrenérgicos e estimulação crônica de receptores 5HT2. Questionar sempre o paciente quanto à presença desses sintomas, geralmente omitidos. Caso sejam leves ou intermitentes, pode-se aguardar para ver se desaparecem ou diminuem espontaneamente. Pode-se também diminuir a dose, trocar de medicamento ou usar um antídoto. Com exceção do sildenafil, que pode ser tomado uma hora antes da relação sexual, recomenda-se que os demais antídotos sejam utilizados de forma contínua, suspendendo-se periodicamente para observar se o problema desapareceu.8

Antídotos

Diminuição da libido, excitação, retardo no orgasmo ou anorgasmia:

a) sildenafil: 50 mg a 100 mg 1 hora antes da relação sexual.9 Parece ser efetivo mesmo em mulheres; 
b) ioimbina – um agonista a-adrenérgico: 5 mg a 10 mg 1 a 2 horas antes da relação sexual ou 5 mg três vezes ao dia; 
c) bupropriona: 75 mg a 150 mg 1 a 2 horas antes da relação ou 75 mg três vezes ao dia;7 
d) extrato de gingko biloba: 180-240 mg/dia, em duas doses diárias.

Retardo no orgasmo ou anorgasmia

a) nefazodona: 50 mg/dia a 150 mg/dia; mirtazapina: 15 mg/dia a 30 mg/dia ou uma hora antes do coito. Usar com cuidado a associação de nefazodona com fluoxetina. 
b) ciproeptadina: 4 mg/dia a 12 mg/dia1 1 a 2 horas antes do coito; 
c) amantadina – um agonista dopaminérgico: 100 mg a 200 mg duas vezes ao dia ou 100 mg 5-6 horas antes do coito.

Retardo na ejaculação

Comum com a clomipramina, raro com os ISRS. Aparentemente não ocorre com a fluvoxamina.10 Inicia-se ao redor de uma semana depois do início da droga, diminuindo muito pouco com o tempo. Deve-se a bloqueio de receptores a1-adrenérgicos e 5HT1a. Pode-se:

a) mudar de droga; 
b) associar 7,5 mg a 15,0 mg de neostigmina, 30 minutos antes da relação; 
c) bupropiona (75 mg a 100 mg) ou nefazodona (100 mg a 200 mg) 1 a 2 horas antes da relação.

Efeitos gastrointestinais

Náuseas, vômitos, dispepsia

Comuns com os ISRS, raros com a clomipramina. Em geral são leves e desaparecem após algumas semanas. Medidas:

a) iniciar com doses menores ou reduzi-las, ingerindo-as durante as refeições ou à noite; 
b) náuseas severas e vômitos: 5 mg a 10 mg duas vezes ao dia de cisaprida, retirando gradualmente depois de algumas semanas.

Ganho de peso

Decorre do aumento do apetite, da fissura por doces e das mudanças na regulação das reservas de gordura do organismo, em função da modulação do sistema hipotalâmico conseqüente ao bloqueio de receptores H1 e 5HT2C. É comum com a clomipramina. Os ISRS em geral provocam uma perda de peso em curto prazo, podendo haver ganho em longo prazo especialmente com a paroxetina.11,12 Em princípio não ocorreria com o uso crônico da fluoxetina,13 o que é controverso. Medidas:

a) dieta hipocalórica e exercícios físicos; 
b) substituir a clomipramina por fluoxetina ou sertralina.

Sistema nervoso central

Ansiedade, inquietude

Tanto a clomipramina quanto os ISRS podem provocar, no início do tratamento, inquietude, tensão, ansiedade e dificuldade para relaxar. Portanto, recomenda-se:

a) iniciar com doses baixas ou reduzi-las (5 mg de fluoxetina ou 10 mg de clomipramina) e aumentar lentamente até atingir os níveis recomendados; 
b) caso persistam os sintomas, associar clonazepam (1 mg/dia a 4 mg/dia) ou alprazolam (0,5-4 mg/dia) e retirar gradualmente à medida que forem desaparecendo; 
c) propranolol (20-80 mg/dia).

Insônia

A estimulação de receptores 5HT2 e alterações na arquitetura do sono parecem ser as causas da insônia causada pelos ISRS.14

a) administrar o medicamento de preferência pela manhã; 
b) se não houver contra-indicações, preferir clomipramina ou paroxetina; 
c) adicionar pequenas doses diárias de trazodona (25-100 mg) ou mirtazapina (15-30 mg); 
d) associar benzodiazepínicos por pequenos períodos de tempo ou zolpidem (10 mg).15

Sonolência

Sonolência diurna é mais comum com a clomipramina e a paroxetina. Podem ocorrer bocejos com ausência de sono que, em geral, desaparecem espontaneamente. Recomenda-se:

a) iniciar com doses baixas à noite, pois normalmente desenvolve-se tolerância a esse efeito depois de 2 a 4 semanas; 
b) preferir a fluoxetina e a sertralina; 
c) aumentar o uso de café ou chá; 
d) evitar o uso associado de outros depressores do SNC, como álcool e benzodiazepínicos; 
e) associar bupropriona (75 mg/dia a 150 mg/dia) ou dextro-anfetamina 5 mg/dia a 30 mg/dia.1

Mioclonias

São abalos musculares involuntários que ocorrem geralmente à noite, podendo interferir no sono. Clonazepan, 0,5 mg a 2 mg antes de deitar, ou outro benzodiazepínico podem abolir o sintoma.

Tremores

Podem ocorrer no uso da clomipramina e dos ISRS:

a) suspender o uso de café; 
b) diazepam, 5 mg a 10 mg, 2 vezes/dia;

Em pacientes livres de cardiopatias:

c) propranolol, 10 mg a 20 mg, 3 vezes/dia – até 80 mg/dia a 120 mg/dia; 
d) metoprolol 100-200 mg/dia em doses divididas ou nadolol, quando se prefere a eliminação renal à hepática.

Síndrome de descontinuação

Pode ocorrer em função da redução abrupta, do esquecimento de doses ou da descontinuação da clomipramina e dos ISRS. Os sintomas mais comuns são ansiedade, agitação, insônia, tonturas, vertigens, fadiga, náuseas, dores musculares, coriza, mal-estar, perturbações sensoriais e depressão. Iniciam 12 a 48 horas após a última dose, durando em geral até duas semanas.16-18 Ocorre com mais freqüência na descontinuação da paroxetina, seguida do citalopram, da sertralina e da fluvoxamina. Praticamente não ocorre com a fluoxetina.19,20 É recomendável:

a) alertar o paciente para o risco da síndrome se por acaso esquecer de tomar o medicamento ou interrompê-lo abruptamente; 
b) reintroduzir uma única dose do fármaco para eliminar os sintomas e proceder à retirada gradual; 
c) em pacientes pouco aderentes, preferir fármacos de meia-vida longa (fluoxetina).

Conclusões

A adesão do paciente ao tratamento é essencial para o seu sucesso. As reações adversas são a principal razão de abandono ou mudança precoce de medicamento. Dar a devida atenção a essa questão, orientando o paciente e pondo-se à disposição para esclarecer dúvidas a qualquer momento são atitudes essenciais, especialmente no início da terapia, podendo evitar tais insucessos.

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