Borderline e a Hipermodernidade

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Psicanalista Nahman Armony defende que existe uma modalidade de borderline não patológico que corresponde ao perfil do homem hipermoderno delineado pela Sociologia 

Por Roberta de Medeiros

Roberta de Medeiros é jornalista e escreveu esta publicação no portal Ciência e Vida. 

Freud enfatizou que todos temos traços neuróticos, ainda que estes não produzam um incômodo considerável. Esse era um padrão de normalidade que prevaleceu na sociedade vitoriana, na qual o homem respondia com recalque ao jugo da repressão autoritária.
Hoje, quando a palavra de ordem é fruição, é a personalidade borderline que se impõe como a normalidade contemporânea. Essa é a opinião do médico e psicanalista Nahman Armony, doutor em Comunicação e professor da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, membro psicanalista do CPRJ (Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro), da SPID (Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle) e da International Federation of Psychoalalytic Societies. “Enquanto o neurótico trilhava o caminho do dever e da disciplina, o borderline, livre das amarras da repressão, transgride os limites das convenções sociais dando rédeas soltas à criatividade, pagando, porém, o preço da instabilidade”, escreve.

O borderline é um diagnóstico da Psiquiatria cujo quadro se caracteriza pela impulsividade, baixa resistência à frustração, instabilidade emocional que oscila do amor ao ódio, perturbação da autoimagem e a propensão a se envolver em relacionamentos intensos e instáveis. Tal como a criança ansiosa por satisfazer seus desejos infantis, o borderline lança mão de todos os artifícios, inclusive aqueles que são contra a lei. Ele tem sentimentos crônicos de vazio e demonstra uma busca constante por identificação.

Ao se deparar com pacientes com esse perfil em seu consultório, o psicanalista desenvolveu um estudo em que apresenta uma espécie de borderline não patológico que seria correspondente ao perfil do homem hipermoderno delineado pela Sociologia. A ideia foi defendida em sua tese de doutorado em Comunicação pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que deu origem ao livro Borderline: uma outra normalidade. Armony reconhece a existência de graus de gravidade da síndrome. Segundo ele, há realmente um borderline severamente perturbado (borderline pesado) que beira a psicose, mas também existe um outro borderline que se aproxima da normalidade (borderline brando).

Se o borderline pesado tem dificuldades afetivas e nas relações interpessoais devido ao seu narcisismo exacerbado, o borderline brando parece se ajustar a uma sociedade em constante transformação. De natureza inconstante e sujeito a identificações transitórias, ele navega ao sabor do fluxo vertiginoso proporcionado pela sociedade do chip e do mass media. Fluido, ele adota uma ética flexível que o torna adaptável a um mundo de permanentes modificações tecnológicas, econômicas e culturais.

O borderline, livre das amarras da repressão, transgride os limites das 
convenções sociais e dá rédeas soltas à criatividade
Ao borderline, interessa um ego sem fronteiras, não a consciência vigilante do homem moderno. Sempre voltado para ação, ele se impõe tal qual a criança radiosa guiada por caprichos à espera de serem satisfeitos numa sociedade hedonista, cujo princípio é o prazer. Sua intensidade o leva a buscar experiências inéditas, disponíveis graças aos meios tecnológicos que saturam a realidade e hiper-realizam um mundo onde o importante é o gesto, o processo inventivo. O borderline se deixa seduzir por uma vida que, caoticamente, fragmenta-se em signos, imagens e dígitos. Tudo se revela leve e sem substância, como o sujeito hipermoderno.
Segundo Armony, a modalidade branda nem segue os cânones do social como o neurótico, nem se dispersa improdutivamente como o psicótico. Seu mundo de fantasia, fortemente impregnado de afeto, pressiona no sentido da realização. Ele não desiste de realizar os seus desejos infantis no social. Isso só é possível graças à identificação contínua e transitória do borderline com as pessoas e com o mundo, deixando-se permear pelo ambiente à sua volta – um processo que o autor chama de identificação “dual-porosa”. O autor lembra que: “O borderline pesado tenta tapar o seu vazio através de relações simbióticas; suas carências, embora eventualmente preenchidas, permanecem atuantes, podendo criar cegas exigências excessivas nos relacionamentos afetivos, sociais e profissionais, o que certamente causará transtornos. Já o borderline brando sobreleva seu vazio através de uma identificação ‘dual-porosa’ com os seres humanos e com o mundo”.
O borderline não é mais mortificado pelo recalque como o neurótico da sociedade moderna. Não carrega dilemas de natureza ética, por isso se deixa guiar pelas impressões estéticas. Múltiplo, inconstante, ele embarca num processo lúdico, transformando sua própria existência em uma obra de arte. “Creio que não será nenhum abuso dizer que o artista talentoso recria magicamente o mundo através de sua arte, mesmo porque essa ideia permeia nossa subjetividade. Borderline e artista talentoso, quando não coincidem, encontram-se. Ambos recriam magicamente a realidade. O artista através da obra de arte e o borderline através da transformação da vida em obra de arte”, escreve Armony.
Referência: http://portalcienciaevida.uol.com.br/esps/Edicoes/59/artigo191343-1.asp 

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