Hipóteses Para A Gênese Borderline

domingo, 15 de abril de 2012

Este artigo aborda a relação da maternagem insuficiente ou inadequada na patogênese da Personalidade Borderline, fundamentando-se em estudos teóricos de autores diversos e em observações clínicas e excluindo, em parte, a hipótese da patogenia hereditária. A forma como a maternagem é disponibilizada influencia diretamente na formação da personalidade patológica. Os diferentes traumas vivenciados na infância geram um profundo sentimento de rejeição e dor, incorporando-se na personalidade Borderline. A ausência da mãe e a falta de resposta às expectativas infantis geram o sentimento de vazio crônico desse tipo de personalidade.
É difícil determinar de forma precisa, o papel da maternagem e das variáveis ambientais na constituição do sujeito e na gênese da Personalidade Borderline.
As privações, o abandono, abusos diversos e negligência determinam desde os primeiros dias de vida, a formação da personalidade do ser.
A trajetória teórica deste artigo tenta estabelecer uma relação entre as situações desestruturantes ou traumáticas, vivenciadas desde a infância com um tipo de personalidade conhecida como Borderline, atribuindo a sua origem aos primeiros anos de vida e excluindo parcialmente a possibilidade de herança dos pais e o critério único de abuso sexual na infância.
O termo Borderline, na concepção deste artigo, refere-se a um espectro amplo de agrupamentos patológicos.
A personalidade Borderline é caracterizada pela falta de tolerância à ansiedade; falta de controle dos impulsos; falta de canais sublimatórios desenvolvidos; preponderância do processo primário do id; dissociação, identificação projetiva, negação, onipotência e desvalorização como mecanismos de defesa do ego; relações objetais internalizadas patológicas; pensamento quase psicótico; automutilação; preocupação de aniquilação; abandono/ fusão; exigência/ achar-se especial; tentativas de suicídio manipulativas.
O ser humano, na fase inicial de sua vida, necessita dos cuidados do outro para assegurar-lhe as condições mínimas de sobrevivência. A mãe, no sentido amplo da palavra, tem papel fundamental e determinante no desenvolvimento do ser.
O bebê humano, em condições satisfatórias de desenvolvimento, transita pela frustração do reconhecimento da mãe como um indivíduo, como o outro, que contradiz a percepção inicial da mãe enquanto extensão do bebê. A partir desse reconhecimento, inicia-se, a formação do ego. As diversas identificações com a mãe e posteriormente com o meio, as introjeções de traços do outro e do meio forma o ego. O ego resulta da sedimentação dos investimentos dos objetos perdidos, ou seja; do reconhecimento do outro, das frustrações geradas pela inviabilidade de satisfação imediata do processo primário e pela consolidação inicial do processo secundário.
Como um espelho a refletir e responder às diversas percepções e sensações do bebê, a mãe utiliza seus próprios valores introjetados para dar significado a tais percepções e sensações.
As atitudes do ego serão constituídas pelos traços da primeira relação objetal; mãe/ bebê, contendo a história do desenvolvimento do ser, identificadas com a forma pela qual a mãe proporcionou seus recursos para o desenvolvimento do filho. São estes fatores determinantes de como o ser em desenvolvimento conduzirá o seu self e se relacionará com os demais.
A constituição do psiquismo se fundamentará e refletirá os afetos, desafetos, vida e morte, amor e ódio, simbioses e rupturas vivenciados pelo ser na relação com a mãe e posteriormente com todo o ambiente.
A principal e mais importante função da maternagem será o holding, a qual consiste em emprestar o seu próprio ego (da mãe) como apoio para que o bebê satisfaça suas necessidades, contendo suas angústias e internalizando padrões de comportamento, possibilitando o prosseguimento do desenvolvimento da personalidade do filho.
Na maternagem insuficiente ou inadequada, diversas atitudes da mãe serão significativas para o trauma que determinará o desenvolvimento da Personalidade Borderline. Dentre os principais comportamentos de uma maternagem insuficiente, podem-se citar privações, negligência, abuso físico, sexual, emocional, maus tratos psicológicos e violência, resultando num estado amplo de descuido e desproteção para com o bebê.
Entende-se por privação, o ato de negar ao bebê condições físicas e emocionais necessárias para o seu desenvolvimento como um todo. O termo privação é amplo e abrange desde a alimentação ao afeto.
A negligência ocorre quando o cuidado, o holding e a função de tela protetora materna falha ou inexiste.
Entende-se por abuso físico, punições ou aplicação de força física desnecessária ao desenvolvimento da criança, deixando, por vezes, marcas no corpo da criança e reduzindo-a condição de submetida e impotente.
O abuso sexual geralmente se dá pelo descuido da mãe ao expor o filho a envolvimento de caráter sexual, o qual pode ocorrer por contato físico ou não, compreendendo exposição, manipulação, penetração ou exploração quando a criança não tem maturidade suficiente para compreender o que, de fato, acontece.
Respostas emocionais e comportamentais que, desnecessariamente, reprimem experiências fundamentais ao desenvolvimento infantil compõem grande parte do significado de abuso emocional. A outra parte do significado se encontra no ambiente familiar hostil, rígido, controlador ou excessivamente protetor.
Os maus tratos psicológicos ocorrem pelo desrespeito às necessidades, percepções e emoções do infante. A discriminação, a rejeição e a depreciação das necessidades da criança, atendendo as necessidades psicológicas da mãe ou de outros adultos também são maus tratos psicológicos.
Por fim, define-se violência a qualquer atitude dos pais, que cause danos físicos, sexuais ou psicológicos à criança. Sua definição é ampla, pois envolve desde a omissão de atos à hiperação.
Infere-se que, ao vivenciar todo o trauma causado pela maternagem inadequada, a criança perde o referencial de feed back do meio, no caso da mãe, ocasionando um “buraco” na formação da identidade e da personalidade. Sem o feed back adequado, não há a informação de quem a criança é, do seu valor e dos seus limites. A incapacidade infantil de resolver um conflito ou um problema vivencial excessivo para ela passa a compor o seu sentimento de identidade, tornando-a enquanto adulta incapaz de lidar com conflitos e problemas. A formação egóica recai na fragilidade e no sentimento de vazio, o qual se tornará crônico, compondo, enquanto sintoma, a personalidade Borderline.
A ausência dos atributos da maternagem adequada também influencia, no decorrer do tempo, na formação do superego. A ausência da mãe e posteriormente do pai, nos cinco primeiros anos de vida, resultará num superego frágil, onde os limites não serão reconhecidos.
Portanto, o grupo familiar determina a possibilidade de saúde em seus membros. O grau de cuidados insuficientes ou inadequados e a fase do desenvolvimento infantil em que ocorreram podem determinar a gravidade dos prejuízos decorrentes.
A dor da desvalorização, da rejeição, dos maus tratos e abusos e do sentimento de vazio resulta numa dor profunda que vai dilacerando a alma e estimulando o processo autodestrutivo; um instinto imediato, oriundo da pulsão de morte, que estatisticamente confirma a incidência de taxas entre 3 a 9,5% de suicídios e 75% de tentativas de suicido na população portadora de Personalidade Borderline. Outras vezes, a pulsão de morte se expressará pelo seu derivativo de agressividade no meio, forma essa já vivenciada e introjetada anteriormente frente aos maus tratos e abusos físicos. Observa-se que vítimas de violência desenvolvem um amplo repertório de reações destrutivas.
O portador da Personalidade Borderline é chamado a todo instante a reviver exaustivamente a angústia vivenciada pelos traumas da infância. A cada experiência proposta no seu meio ambiente, na sua fase adulta, pode trazer intensas emoções negativas acionando de imediato mecanismos de defesa contra a dor psíquica, tais como a dissociação, a projeção e a negação.
A identidade mal formada se apoia na identidade do outro. Qualquer vislumbre de individualidade resulta no medo intenso de abandono e perda, acionando todo o instinto de manter a relação simbiótica a qualquer custo.
O vazio crônico precisa ser preenchido. Na Personalidade Borderline, o uso de substâncias como álcool ou drogas, a compulsão por alimentar-se ou por sexo são formas de preencher o grande “buraco” interno, em vão.
A compulsão por sexo é a forma fantasiosa de impingir ao outro o abuso sexual vivenciado em algum nível, durante a formação da personalidade, além de estabelecer uma tentativa de vínculo simbiótico simbólico com o outro.
A desvalorização dos sentimentos infantis e a depreciação de suas necessidades resultam na repressão da expressão emocional ou no seu completo empobrecimento enquanto adulto. Não se tem muita diferença entre o sentimento bom ou ruim, entre o bem e o mal e entre a vida e a morte. O indivíduo torna-se incapaz de expressar gratidão, de interessar-se por si mesmo e pelos outros, de criar objetivos na vida. O outro, assim como a mãe, é sentido como estranho que tem a função de suprir e prover o que ele espera. É como se o mundo estivesse em eterno débito para com esse ser.
Conclusão:
Fundamentado em diversos autores, estudos teóricos e observações clínicas, tem-se a evidência da relação entre os traumas proporcionados pela maternagem inadequada e a formação e estabelecimento da Personalidade Borderline, excluindo, em parte, a hipótese patogênica hereditária, assim como o critério único de abuso sexual, defendida por alguns autores.
Estaticamente, tem-se uma estimativa de 2% da população geral com Personalidade Borderline, significando 10% dos pacientes psiquiátricos em geral e ainda representando 70% do sexo feminino.
A Personalidade Borderline é vivenciada como uma dor profunda, dilacerante e insuperável que passa a fazer parte da identidade do indivíduo, jogando-o no “beco sem saída” da violência, marginalização e autodestruição.

Artigo desenvolvido por Olivan Liger De Oliveira

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